É uma manhã de quinta-feira, dia útil no Aeroporto de Guarulhos, sem qualquer episódio incomum à rotina das áreas de cargas. Antes das dez da manhã, os despachantes se alinham nas cadeiras de espera diante das portas trancadas do guichê da Receita Federal. Pela janela, parcialmente fechada com persianas, é possível enxergar cerca de 50 estações de trabalho, com mesa, cadeira e computador, porém a sala não é ocupada por mais do que seis funcionários.
Do lado de fora, os agentes são cordiais, cumprimentam-se, conversam com a intimidade de quem frequenta aquelas cadeiras diariamente. O que vocês estão esperando? – pergunto. “Alguma coisa acontecer”, diz o despachante, esperançoso, apesar de saber que a operação padrão da Receita Federal esclarece que o órgão abre em horários restritos, em dias específicos, e a quinta-feira não é um deles.
Na sala em que se protocolam as guias para exportação, os processos andam ligeiramente mais rápidos, porém o aviso na porta é taxativo: “Funcionamento às terças e quintas, das 13h às 14h30, e a partir das 17h30. Número limitado de senhas”. Diante da porta, três horas antes da abertura, outro despachante afirma, desanimado: “isso ainda vai longe, porque o que eles pedem, o governo não vai dar”.
Em julho, os auditores fiscais da Receita Federal fizeram uma paralisação em protesto ao não cumprimento do acordo salarial fechado com a categoria em março deste ano e, a partir de então, entregaram os cargos de chefia de volta ao governo federal e deram início à “operação padrão” por tempo indeterminado.
Já no guichê da Anvisa, órgão que inspeciona as mercadorias com vistas à saúde pública, a situação não é de greve, porém o problema parece ainda pior. A única pessoa disponível no balcão de protocolos afirma que, para receber atendimento, é necessário enviar um e-mail. Alegadamente sem efetivo suficiente, a Anvisa tem organizado “Forças-Tarefa”, que envia intercaladamente aos portos e aeroportos onde a situação começa a ficar crítica, diminuindo de maneira pontual o tempo de atraso das cargas que aguardam liberação. Porém, o problema nunca é resolvido de maneira definitiva, uma vez que, ao deixar o posto, a situação se refaz gradativamente.
Segundo Lourival Martins, presidente do Grupo Martins, que possui uma sala para despachos dentro do prédio administrado pela concessionária GruAirport, entre a operação padrão da Receita Federal e a confessa falta de efetivo da Anvisa, o custo adicional decorrente dos atrasos para liberação de cargas em Guarulhos pode chegar a até 600, ou 800% sobre o valor da carga. “A tabela de armazenagem determina multa de 0,55% sobre o valor CIF para até 2 dias, aumentando para 1,65%, 4%, 6,5% diariamente; um custo que, obviamente, impacta diretamente no consumidor final”.
A situação se estende por todo o Brasil. Bruno Meurer de Souza, Operations Manager da DC Logistics Brasil, conta que a operação padrão tem trazido muitas dificuldades. Entre os principais problemas estão os custos diretos e indiretos envolvidos com a armazenagem nos portos e aeroportos. “Quanto maior o tempo de permanência da mercadoria no Recinto Alfandegado (porto, aeroporto ou porto seco) mais vai aumentando esse valor de armazenagem a ser pago. Existem ainda custos indiretos, como por exemplo, multas contratuais pela não entrega de alguma mercadoria; equipes que podem ficar sem ter o que produzir no atraso das matérias primas; etc”, exemplifica o gerente da DC Logistics, empresa que tem sede em Itajaí (SC), mas opera em diversos aeroportos no Brasil, como Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Manaus, Recife e os três aeroportos alfandegados de Santa Catarina (Navegantes, Joinville e Florianópolis). Bruno avalia que a situação está mais crítica nas importações do que nas exportações. “Entendemos que, na importação, existe uma necessidade maior de controle por conta da arrecadação de impostos que precisam ser fiscalizadas de perto para evitar sonegação. Já na exportação, não há essa necessidade tão grande visto que o número de mercadorias com incidência de imposto de exportação é muito menor”.
Lourival Martins lembra que, apesar de a Balança Comercial registrar quedas expressivas nas importações brasileiras, alguns produtos, como os médicos hospitalares, que utilizam bastante o modal aéreo, não tiveram sua demanda retraída, uma vez que são essenciais à saúde e ao mercado. “Com esses produtos, que justamente necessitam da anuência da Anvisa, ocorre perda de mercadorias, situações em que é preciso devolver ou destruir a carga, e isso acaba aumentando o custo agregado, onerando o importador e o consumidor”. Para ele, a falta de efetivo chega a ser um “descaso”, uma vez que não foi feito um trabalho suficiente de substituição dos profissionais concursados em processo de aposentadoria, e tampouco um estudo de acompanhamento da demanda por fiscais em relação ao volume de cargas. “O último concurso foi há cerca de 2 anos, e mesmo assim, ele acrescentou pouco mais de 400 profissionais ao mercado em todo o Brasil, o que é muito pouco para distribuir entre todos os postos alfandegados”.
Quanto às Forças-Tarefa, Martins acredita que, além de serem soluções paliativas, acabam por desencorajar a fidelidade do importador para com os portos ou aeroportos, prejudicando inclusive as negociações: “o despachante acompanha o tempo de liberação de um ou outro aeroporto, e faz a sua escolha de acordo com o que está mais rápido, o que acaba inclusive formando os próximos gargalos, e assim sucessivamente”.
Fonte: Guia Marítimo