Desde a crise internacional de 2008, os benefícios de se viver em um mundo globalizado começaram a ser mais duramente contra-argumentados uma vez que, do estouro da “bolha no setor imobiliária” nos EUA, a crise se alastrou para diversos outros setores e países do mundo.
Até aquele momento, as críticas à globalização ficavam mais restritas às questões socioculturais – difíceis de serem tangibilizadas -, como a perda da identidade e das tradições de muitos povos. Desta forma, eram facilmente rebatidas pelos defensores do modelo, argumentando fatos, dados e indicadores econômicos bastante motivadores quanto ao aumento da renda e da expectativa de vida da população em várias partes do mundo.
O fato é que a globalização – que, de forma resumida, trata do processo de integração econômica, social, cultural e política entre os diversos países do mundo, e que teria sido impulsionado no final do século XX e início do século XXI para barateamento dos meios de transporte e de comunicação (leia-se transporte marítimo e internet) – aumentou consideravelmente a distância entre o produtor e o consumidor e, consequentemente, a demanda por transporte.
O setor de transporte marítimo “surfou” essa onda da globalização que impulsionou, principalmente, o setor de carga containerizada. Isso é o que explica as altas taxas de crescimento experimentadas pelo segmento da navegação até 2008. Contudo, mesmo em meio a uma importante crise de excesso de capacidade, queda dos fretes, revolução 4.0, digitalização da cadeia logística etc., seria bastante importante que todos envolvidos nesse setor também acompanhassem bem de perto as discussões e efeitos sobre o futuro da globalização, e a chamada DESglobalização, tendo em vista que isso acertaria, em cheio, a demanda internacional por transporte marítimo.
Os sinais de insatisfação e os questionamentos a respeito das vantagens da Globalização cresceram exponencialmente nos últimos meses:
• A eleição do ultranacionalista Donald Trump nos EUA;
• A vitória do movimento Brexit no Reino Unido, que tirará o Reino Unido da União Europeia nos próximos dois anos e pode incentivar outros a também deixar do bloco;
• A guinada à direita nos governos de países da América Latina;
• O ressurgimento de movimentos separatistas como, por exemplo, a Escócia, que pretende deixar o Reino Unido após o Brexit, e a Catalunha, que busca novamente sua autonomia em relação à Espanha;
• O crescimento de movimentos sociais e partidos políticos ultranacionalistas, notadamente na Europa;
• As dificuldades em avançar com novos acordos internacionais, sejam climáticos (COP 21) ou comerciais (ALCA ou acordo entre Mercosul e União Europeia);
• Mudança do modelo de desenvolvimento Chinês, agora mais voltado ao consumo interno;
Particularmente, me encontro entre aqueles que acredita que o termo REglobalização seja mais adequado ao momento que estamos vivendo do que DESglobalização. Na minha visão, a globalização está passando – sim – por uma crise normal e momentânea, ainda em função da recessão, desemprego e desconfiança gerados pela crise de 2008. Entretanto, após alguns ajustes necessários, como melhor regulamentação e fiscalização do setor financeiro internacional, o processo de globalização irá se fortalecer, e continuará guiando o mundo nas próximas décadas, dado que as trocas de mercadorias, ideias, conhecimentos científicos e serviços, entre outras formas de integração, continuarão a proporcionar mais vantagens do que desvantagens para a população mundial em termos de geração de riquezas e desenvolvimento sociocultural.
Assim, aconteça o que acontecer, continuo acreditando que a excelente performance do Brasil na recente estatística da OMC referente ao crescimento EM VOLUME das exportações mundiais (enquanto as exportações mundiais se mantiveram estáveis em volume no 1º Sem/2016, as exportações brasileiras crescendo 11% em volume no mesmo período) demonstra que nossa pauta exportadora, majoritariamente sustentada por commodities minerais e agrícolas, está “correndo pelas beiradas” e não deverá ser muito afetada pelas mudanças e ajustes pelo qual o mundo capitalista está passando. Principalmente no que se refere às commodities agrícolas, “fabricar” carnes, grãos, frutas ou celulose, mais do que capital ou políticas públicas, demanda condições de relevo, clima, água, tecnologia e escala que poucos países possuem.
** Gostaria de aproveitar a oportunidade para agradecer e parabenizar meus alunos do Curso de Pós-Graduação em Logística da FIA pelo alto nível das discussões acerca do assunto Desglobalização, e que certamente foram bastante importantes na preparação desse artigo.
Fonte: Leandro Barreto para Guia Marítimo