As relações comerciais entre Brasil e China têm um histórico de bons resultados. Desde 2009, o gigante asiático é o principal parceiro comercial do Brasil. Segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, o intercâmbio comercial entre os dois países em 2016 foi de US$ 58,49 bilhões.
Agora, um novo cenário passa a ser desenhado. Além de produtivas relações comerciais, os dois países trilham um caminho de cifras bilionárias na área de investimentos de infraestrutura. Em visita à China no início de setembro, o presidente Michel Temer apresentou o novo pacote de concessões e desestatizações de aeroportos, portos, rodovias e projetos na área de energia, anunciados recentemente pelo governo federal. “As empresas chinesas mantêm um grande interesse em investir no Brasil. Os chineses têm grande capacidade de participar de licitações e serem vitoriosos por terem acesso a financiamento e uma expertise em infraestrutura”, afirma o embaixador do Brasil na China, Marcos Caramuru de Paiva.
Na edição de setembro da revista CNT Transporte Atual, o embaixador conversou com a reportagem. Leia a seguir o primeiro trecho dessa entrevista.
A relação comercial entre Brasil e China gerou, de janeiro a agosto deste ano, cerca de US$ 52 bilhões. Além disso, um levantamento do Conselho Empresarial Brasil-China aponta que pelo menos 12 projetos chineses anunciados em 2016, que totalizam US$ 8,4 bilhões, estão confirmados para o Brasil. Qual a avaliação do senhor sobre esses números?
Nos primeiros sete meses do ano, de janeiro a julho, as exportações do Brasil para o mundo aumentaram em torno de 8%, e para a China, 33%. E as importações aumentaram em torno de 7% no mundo, contra 11% da China. Isso é reflexo de uma série de fatores. O primeiro deles, o preço das commodities (petróleo e minério de ferro), melhorou, mas estamos tendo uma entrada muito positiva e significativa no comércio de bens, que nós somos tradicionais fornecedores da China. O volume de exportações da China para o Brasil aumentou porque a nossa economia voltou a dar sinais de crescimento. Uma taxa de importações da China superior ao do restante do mundo significa que, quando a economia brasileira voltar mesmo a crescer, a taxa de penetração da China no nosso mercado vai ser bem maior do que de outros países. Teremos um comércio que vai evoluir numa direção muito boa, talvez com deficit brasileiro menor. Mas na medida que evoluirmos, passaremos a importar mais equipamentos dos chineses.
De forma geral, há uma complementaridade da economia dos dois países, entre o que um precisa e o que o outro pode oferecer? O que ganha o Brasil e o que ganha a China com o estímulo aos investimentos e ao comércio bilateral?
O comércio entre os dois países, inevitavelmente, tende a crescer. A relação do Brasil com a China, como um todo, é uma relação na qual acumulamos superavit comercial e oferecemos aos chineses ótimas oportunidades de investimentos que não existem em outras economias de renda média no mundo neste momento. Isso é o que podemos chamar de verdadeira parceria estratégica. Ela vai muito além do diálogo sobre os temas globais. A China precisa dos produtos que fornecemos (alimentos, minério de ferro). Isso nos garante um mercado e um superavit expressivo, que é aproximadamente 40% superior ao superavit que o Brasil mantém com o restante do mundo. Além disso, garante investimentos no país, o que muito nos interessa, já que temos um deficit em vários setores, como o de infraestrutura de transporte, por exemplo.
Pode-se afirmar, então, que as relações comerciais Brasil-China acontecem sem sobressaltos?
Não é que não tenhamos problemas. Temos uma salvaguarda aplicada contra o açúcar, temos agora a abertura de um processo antidumping (venda de produtos com preço abaixo de mercado) contra o frango. Também impomos várias medidas de restrição comercial à China. Nós temos em torno de 57 medidas de proteção e restrição comercial entre os dois países.
Qual o impacto dessas barreiras para as relações futuras e como solucionar esse problema?
Uma vantagem é que não temos problemas políticos com os chineses, como outros países têm. Mantemos uma relação que, do ponto de vista de diálogo e de fluxos, é muito estável. O desafio para isso é você ter uma governança da relação que seja compatível com o que já acontece na prática. Cada vez mais, vamos evoluir para relações com menos controles, nas quais os mercados funcionam com mais naturalidade, tanto na área de comércio quanto na de investimentos. O importante são os governos não “obstacularizarem” isso, mas terem os mecanismos corretos de governança para darem sinal aos mercados e resolverem os problemas que venham existir, e que são naturais.
Qual a avaliação do senhor sobre os resultados do recente encontro dos presidentes da China e do Brasil?
Uma das decisões importantes dessa visita presidencial foi o fato de os dois países sentarem e discutirem o comércio que realizam, não só do ponto de vista dos problemas que existem no momento, como as barreiras impostas de ambos os lados, mas uma visão estratégia de futuro. Neste momento, nós estamos começando a pensar sobre esse tema.
Podemos dizer que a China vive hoje uma nova fase de investimentos no Brasil, caracterizada não apenas pelo valor investido, mas pelo tipo de projetos, com foco, por exemplo, na participação de empresas em licitações no setor de infraestrutura?
As empresas chinesas acumularam uma enorme experiência nessa área de desenho de projetos de infraestrutura e de fornecimento de equipamentos. E a China é um dos países que acreditam que os investimentos em infraestrutura, mesmo que possam não ser absolutamente necessários no curto prazo, sempre terão um impacto positivo sobre a economia. Isso é muito curioso. A China acredita que se endividar para investir em infraestrutura não é um problema. Então, ela vai ao exterior, não só com a mentalidade de abrir espaço para as empresas nacionais que acumularam essa experiência, mas também com essa visão muito peculiar de que os investimentos em infraestrutura têm muito retorno.
Como a China tem recebido o pacote de projetos do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) do governo federal brasileiro?
Todas as empresas com as quais eu tenho contato aqui na China, tanto as de engenharia quanto as de financiamento (banco, financeiras etc.), olham esse programa com um interesse muito particular. Se você tomar como exemplo empresas que já investiram no Brasil, vai perceber a importância do mercado brasileiro. A State Grid, por exemplo, mantém em torno de 10% a 15% de seus ativos no exterior. Desses, 50% estão no Brasil. Isso mostra que as oportunidades no país são muitas. As empresas chinesas já entenderam isso. Muitas das que devem investir em projetos de infraestrutura no Brasil têm olhado para a experiência das companhias que já participam de empreendimentos na área energética, na qual a China entrou mais forte, de uma forma bastante positiva. É claro que os investimentos começam sempre com questionamentos: a rentabilidade dos projetos tem que ser tal que garanta nosso lucro; como enfrentar o risco cambial; se deve ou não encontrar o parceiro local; como encontrar esse parceiro. Todas essas questões estão permanentemente no ar, mas as empresas chinesas têm encontrado maneiras de sanar essas dúvidas.
Fonte: Agência CNT de Notícias