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​Hora da verdade em números

​Hora da verdade em números
09/08/2016

A despeito da desaceleração da economia chinesa, da instabilidade da economia europeia e da – ainda lenta – recuperação da economia norte americana, alguns setores e empresas já ensaiam sinais de recuperação. São exemplos dessa retomada as indústrias ligadas a tecnologia, petróleo, vendas pela internet, entre outras. O mesmo, porém, não se pode falar do setor de transporte marítimo, cujas expectativas não são das melhores: com a drástica queda dos fretes nas principais rotas internacionais, o arrefecimento da demanda mundial por transporte marítimo, o excesso de capacidade e a retomada dos preços de combustível, a navegação não vive o período mais gratificante de sua história.

Aberta a temporada internacional de publicações dos resultados financeiros do 1º semestre de 2016, quando empresas de capital aberto (ações negociadas em bolsa) publicam seus resultados, nos próximos dias, teremos a oportunidade de dimensionar o tamanho e a extensão dos impactos desse cenário adverso.

De acordo com levantamento realizado recentemente pela Clarksons Research (Improving outlook for container sector), em 2016, o crescimento da demanda por transporte marítimo em containers (que a consultoria estima em 3,8%) será ligeiramente maior que o crescimento da oferta navios porta-container (estimada em 2,4%). Aos olhos da Clarksons, este já seria um bom sinal, visto que representa uma mudança de trajetória, uma vez que, desde 2010, a oferta de navios porta-container cresce sistematicamente acima da demanda.

Por outro lado, informações de desempenho divulgadas preliminarmente por alguns armadores ainda apontam para uma situação tormentosa:

• MAERSK, maior armador do mundo, emitiu comunicado dizendo que a expectativa é de que o resultado de 2016 fique significativamente abaixo do resultado de 2015 – em virtude dos fretes também significativamente abaixo dos reportados em 2015. A empresa diz esperar, pelo menos, acompanhar o crescimento de volume de mercado (estimado por eles entre 1 e 3%), visando defender sua posição de líder de mercado;

• OOCL, 10ª colocada no ranking mundial de armadores, mesmo com um aumento de 5% no volume transportado (de 2,7 para 2,9 milhões de Teus), viu seu faturamento cair 17% (de US$ 2,7 milhões para US$ 2,25 milhões);

• MOL, 12ª colocada no ranking mundial de armadores, passou de um lucro de US$ 89 milhões no 2º Trimestre de 2015 para um prejuízo de US$ 14 milhões no 2º Trimestre de 2016, apesar de um incremento de 5% nos volumes;

• NYK, 13ª colocada no ranking mundial de armadores, passou igualmente de um lucro de US$ 352 milhões no 2º Trimestre de 2015 para um prejuízo de US$ 124 milhões no 2º Trimestre de 2016, em razão da queda dos fretes e da perda de cerca de 7% do volume;

• K Line, 15ª colocada no ranking mundial de armadores, também passou de um lucro de US$ 83 milhões no 2º Trimestre de 2015 para um prejuízo de US$ 261 milhões no 2º Trimestre de 2016, em virtude da queda de 12% na receita média por Teu e da redução de 3% no volume transportado.

Diante desse cenário, não param as conversas, negociações, rumores e especulações referentes a potenciais fusões e aquisições ou novos Mega Joint Services. A fusão da Hapag Lloyd com a UASC, recém-validada pelos seus sócios, e a adesão da Hyundai ao 2M certamente não serão as últimas movimentações dos armadores nessa busca por reequilibrar seus resultados.

Claro que os armadores possuem sua parcela de responsabilidade por seus recorrentes resultados financeiros ruins, na medida em que, no mínimo, subestimaram os sinais de enfraquecimento da demanda. Visando economia de escala, as empresas deflagraram uma verdadeira corrida aos estaleiros em busca de navios maiores, mais modernos e econômicos para se protegerem dos crescentes custos do combustível vivenciado anos atrás. Contudo, uma vez que, com raras exceções, o setor tem reportado resultados negativos desde a crise internacional de 2009, tenho visto crescer, até mesmo entre embarcadores, certa preocupação sobre quais armadores, e por quanto tempo mais, sobreviverão a um período tão prolongado de resultados financeiros ruins.

Em outras palavras, os resultados deste trimestre devem refletir uma considerável deterioração do mercado em virtude do aumento do preço dos combustíveis e do overcapacity (que tende a se manter por mais algum tempo), o que demonstra que a boa e velha lei da oferta e da procura continua sendo o maior órgão “regulador” desse mercado.

Entretanto, isso não necessariamente se traduz em apenas boas notícias para os embarcadores, já que a reação dos armadores, tanto por meio dos mega joints quanto as fusões e aquisições, tem sido diminuir a quantidade de escalas semanais e a quantidade de fornecedores de transporte marítimo, cenário que, segundo a consultoria Drewry, pode, num segundo momento, levar a fretes maiores em razão da diminuição da competição.

Assim sendo, dado que a razão de ser do armador é a carga, e a carga precisa do armador para que seus negócios se desenvolvam, por mais utópico que possa parecer, acredito que talvez seja a hora de começar a pensar em verdadeiras parcerias entre armadores e embarcadores. O momento pede iniciativas que tornem o negócio mais racional, rentável e sustentável para ambas as partes, como uma forma de evitar grandes oscilações de fretes, o que, afinal – e quem estava nesse mercado em 2004 sabe bem do que estou falando –, acaba sendo ruim para todos.

Fonte: Leandro Barreto para Guia Marítimo