Caracterizada pela acentuada polarização, a atual eleição presidencial dos EUA deixa o mundo em expectativa para a conclusão das apurações. Para o Brasil, a definição do nome de quem comandará a Casa Branca nos próximos quatro anos pode significar mais ou menos proximidade no campo ideológico, mas não deve influenciar com força as relações comerciais entre os dois países.
Segundo analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o pragmatismo característico dos EUA deve manter as pontes já construídas. Entretanto, ajustes de rota podem ser feitos no caso de uma eventual mudança de administração republicana para democrata, com uma vitória de Joe Biden sobre Donald Trump na eleição dos EUA.
Na avaliação do economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Pedro Paulo Silveira, a questão mais premente aqui seria a ambiental. “O que eu imagino que venha a ser feito em um governo Biden é a recolocação de exigências ambientais, nos termos que já eram acordados alguns anos atrás. O que para o Brasil, num primeiro momento, pode ser desconfortável, mas o país sempre esteve muito bem nesse cenário: o Brasil sempre teve o agronegócio bem visto no exterior, então eu acredito que é capaz de se reafirmar como grande exportador de carnes, de alimentos, de minério de ferro, de tudo que a gente exporta, mas dentro de uma agenda ambiental mais adequada”, avalia o especialista. “Pode ser dolorido para o governo”, pondera, ao rememorar o posicionamento ideológico da gestão de Jair Bolsonaro, “mas acho que para o país é positivo”.
O economista Fábio Astrauskas, CEO da Siengen, também coloca destaque no meio ambiente. Segundo ele, “o Brasil terá que rever a sua política de proteção da Amazônia para se inserir como um país competitivo no ambiente comercial” se o resultado da eleição nos EUA colocar os democratas na presidência.
Recentemente, em evento da Amcham Brasil, o ex-embaixador dos Estados Unidos para o Brasil Michael McKinley fez avaliação similar, ao afirmar que uma eventual vitória de Biden não anularia acordos firmados com o país. Segundo McKinley, “já existem fundações fortes entre o Brasil e os EUA que não vão desaparecer com uma mudança na Casa Branca”.
Durante o período de campanha, Joe Biden apontou chance de retaliação ao Brasil em relação a questões ambientai, entretanto o diplomata destaca que esse tipo de pressão não se daria apenas por parte do governo norte-americano, mas também de outros integrantes da comunidade internacional e de investidores. “Desde o começo do ano, os fundos de investimento internacionais, que somam um valor de mais de 3 trilhões de dólares, mandaram uma advertência ao Brasil sobre a preservação da Amazônia, e a União Europeia também já sinalizou boicote ao acordo comercial”, destacou McKinley.
Como fica o multilateralismo com o resultado da eleição nos EUA
Apesar do foco atual do governo brasileiro em relações bilaterais, o economista-chefe da TCP Partners, Ricardo Jacomassi, avalia que a volta dos democratas ao poder nos Estados Unidos poderia favorecer o Brasil no ambiente global. Nesse sentido, Jacomassi cita a possível inclinação democrata a favorecer um ambiente de cooperação e de busca de acordos comerciais amparados por órgãos multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio.
A expectativa seria por um ambiente que “pressionaria o Brasil a buscar celeridade no acordo entre União Europeia e Mercosul, uma integração maior da América Latina”, cita o especialista. Haveria ainda uma perspectiva de relações menos conflituosas com a Ásia, o que também contribuiria com menos tensões para as relações brasileiras, sem a necessidade do alinhamento ideológico percebido nos meses de gestão coincidente entre Bolsonaro e Trump e ampliando as liberdades de tratativas com nosso maior parceiro comercial.
Na contramão, em uma eventual reeleição do republicano Donald Trump, a manutenção das tensões entre norte-americanos e chineses tem tudo para afetar o Brasil, avalia Pedro Paulo Silveira. “Se [Trump] retomar o ativismo nas políticas comerciais, pode afetar o Brasil indiretamente. Digo isso porque tudo que diz respeito à China nos afeta de maneira importante. Então, se por algum motivo ele levar a cabo uma política comercial agressiva em relação à China, que desacelera o crescimento chinês, isso vai nos afetar com certeza”, conclui.
Fonte: Gazeta do Povo